“Boyhood” me encantou, me emocionou, na verdade, por trazer temas muito importantes da vida com leveza, sem pirotecnias. O foco da história é a vida de um menino/adolescente, Mason, desde os seus 6 anos até os 18 (o filme foi feito durante esse período de 12 anos, o que já o torna genial). No entanto, o que chamou mais a minha atenção foi a vida da mãe dele.
(Boyhood - Samantha, Olivia e Mason)
Mãe de dois filhos, ainda muito jovem, é responsável pela criação deles sozinha. O pai aparece esporadicamente e é um cara bem legal, divertido, porém se isenta da responsabilidade. Se dá o direito de tentar refazer a vida do zero, sem os “erros” do passado. À mulher não é dado esse direito, os filhos são dela, mesmo que sejam igualmente dos dois. E para sobreviver nessa realidade ela estuda, trabalha, cuida da casa, educa e busca uma família “padrão” para ela e seus filhos.
E é nessa busca que o machismo se apresenta novamente. Se apresenta nela, por considerar imprescindível uma outra figura paterna na criação dos filhos, tanto que Mason diz, num momento de desabafo, que eles já eram uma família, os três, antes do primeiro padrasto. Não precisavam daquele homem para isso. E também se apresenta nos padrastos por quererem assumir o “cargo” de chefes de família e toda a violência que esta “função” carrega. Em meio a esses relacionamentos, apesar deles, ela luta diariamente para ter uma carreira de professora e educar Samantha e Mason.
Assim, a vida de Olivia foi passando na história, nos doze anos, com a sensação angustiante de que a rotina a engoliu, com a sensação de que os dias foram grandes fardos que ela teve que carregar para sobreviver. Quantas mulheres nesse mundo viveram e vivem desse jeito? Acho que, de diferentes maneiras, há em todas nós, mulheres, um pouco (ou muito) de Olivia. Por que o machismo ainda está ai, bem vivo e cruel para todas (e todos). Ou seja, é uma história banal contada de uma maneira muito simples e, ao mesmo tempo, comovente e incrível como todo o filme.
Em “Relatos Selvagens” também foi uma personagem feminina que se destacou para mim. Uma noiva, a princípio, bem “normal” numa festa de casamento tradicional e cafona, na qual todos estão felizes. Tudo poderia permanecer assim, se ela não tivesse descoberto algo sobre seu noivo durante a festa. Nesse momento, ela entra em ebulição. Surta. Desmancha aquela roupa bonitinha e asséptica, solta os cabelos, abandona a apatia, enlouquece de forma hilária e surpreendente. O desenrolar da cena é maravilhoso.
A noiva chamou minha atenção justamente por ter pirado nesse momento “conto de fadas” que é tratado como “o sonho de toda mulher”, o casamento. Bonito de se ver, porque muitas celebrações de casamentos poderiam ter desfechos semelhantes se a hipocrisia não impedisse. Ela destruiu uma farsa de uma forma insana, cômica, nonsense, porém humana. E esta é a beleza e o fio condutor de todos os episódios do filme, a loucura é humana.
E o machismo, as vidas formatadas, as burocracias enlouquecem. Enlouqueceram a mãe de Mason (de uma maneira bem mais discreta e natural, obviamente) ao demonstrar toda sua angustia por não ter vivido plenamente a sua juventude, por ter sido vítima de todos esses padrões. E, explicitamente, enlouqueceram a noiva.
Então, por esses motivos (e por muitos outros também) são dois ótimos filmes. Por exporem, sobretudo, a nossa humanidade e com ela, também, a nossa loucura.